Jordan Dafné



A autodescrição é sufocante, uma enchente de perguntas e reflexões que afoga de dentro para fora. Há riscos, há o medo de se melar na prepotência tão quanto de se lambuzar na depreciação do próprio eu. É um desafio, é instigante, porque acima de tudo é o interior que nos assombra, nada é tão pavoroso quanto às sensações, pensamentos, intenções e sentimentos que residem no labirinto caleidoscópico das mentes que ousam se avaliar e tentam transcrever em palavras a voz do interior. É nessa tentativa incessante pelo auto entendimento que eu me encontro, e onde logo descubro que a voz do meu interior não existe, pois em mim não há voz, apenas grito, apenas o exagero, o hiperbólico, a intensidade. Embora pareça, não há muita força nisso, um ser tão amplificado torna-se altamente vulnerável, frágil, como vidro, inóspito, como liquido. Liquido? É mudar sem deixar de ser, mutável e imutável, adaptável, a metamorfose da casca, jamais da essência.

Ao adentrar nesse exaustivo paradoxo de melodrama, complexidade e uma dose de pseudo subversão, o ser liquido se modifica as circunstâncias, se há calor, corpo, presença, expressão, vontade, eu suplico, evapore-me, de forma que eu ei de adentrar todos os espaços presentes e onipresentes , visíveis e invisíveis, eu integrarei a matéria e juntos seremos homogêneos, fortemente ligados, inquebráveis, eu penetrarei no melhor das coisas, mas sobretudo, no pior que elas podem delas, no que elas tentam esconder, já que sou dotado apenas do lado pleno do amor, aquele que é fascinado não só pelas coisas boas, mas também pelas coisas ruins, porque são elas que resultam na magnifica e peculiar forma de ser das coisas, quando você retira o lado simbolizado como ruim para você, que não necessariamente é de fato, as coisas deixam de ser as coisas e passam a ser outras coisas, então você não ama a coisa, ama somente a outra coisa, e esse é o não ser liquido.  Se há frio, vazio, ausência, internação, desalento, eu imploro, congele-me, de forma que eu irei endurecer, serei fechado, inverossímil, indiferente, inconsequente, e não será tão pouco o oposto, não estarei heterogêneo, porque a única significativa existência para mim será eu mesmo, um homogêneo composto de um só, só de sozinho, na mais desesperadora dor e angustia e por tanto, ainda sim liquido, pois por dentro permanecerei frágil, translucido, transparente, e bastará uma leve batida para que eu seja despedaçado em flocos gelados e talvez reconstituído de uma nova maneira.  

A problemática do meu ser não reside tão inteiramente em ser liquido, mas em não saber ser gota, apenas onda, acalma-se, eu não te irei afogar, mas molhar de forma que jamais possa ser secado novamente; Eu me entrego, sem tomar nada pra mim, respeitando o amago da liberdade, afinal nada é nosso, as coisas escolhem nos pertencer e no momento que quiseres as coisas também podem escolher não nos pertencer mais. Tudo isso é inato, é ser por ser, é o que eu sou, sou o muito, o êxtase, o ápice. Sou Jordan, e caso permitam, eu irei vos inundar.

Jordan Dafné

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